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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Biografia - Carlos Drummond de Andrade.

Nasceu em 31 de outubro de 1902, em Itabira, Minas Gerais, região rica em ferro, veja o que o poeta diz sobre a cidade que fez famosa mundialmente em seus versos:

"Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas. (...)"
("Confidência do itabirano")

Fez seus primeiros estudos em Minas Gerais. Em 1918, ingressou como interno no Colégio Anchieta, da Companhia de Jesus, em Friburgo, sendo expulso no ano seguinte, após um incidente com seu professor de Português.
Formou-se em Farmácia, mas em Itabira vivia das aulas de Português e Geografia. Em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro, assumindo um cargo público no Ministério da Educação.

A partir da década de 1950, Drummond passou a dedicar-se integralmente à produção literária; além de novos livros de poesias, contos e algumas traduções, intensificou seu trabalho de cronista. Drummond morreu no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1987.

É o poeta da dura realidade das coisas e dos homens. Chamamos de não-porosa esta característica de retratar a realidade.

Leia o poema e o texto abaixo para compreender melhor por que Drummond é um poeta importante:

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
E agora ,José?

José Saramago

Há versos que se transmitem através das idades do homem, como roteiros, bandeiras, cartas de marear, sinais de trânsito, bússolas- ou segredos. Este, que veio ao mundo muito depois de mim, pelas mãos de Carlos Drummond de Andrade, acompanha-me desde que nasci, por um desses misteriosos acasos que fazem do que viveu já, do que vive e do que ainda não vive, um mesmo nó apertado e vertiginoso de tempo sem medida.

Considero privilégio meu dispor deste verso, porque me chamo José e muitas vezes na vida me tenho interrogado: “E agora?” Foram aquelas horas em que o mundo escureceu, em que o desânimo se fez muralha, fosso de víboras, em que as mãos ficaram vazias e atônitas. “E agora, José?” Grande, porém, é o poder da poesia para que aconteça, como juro que acontece, que esta pergunta simples aja como um tônico, um golpe de espora, e não seja, como poderia ser, tentação, o começo da interminável ladainha que é a piedade por nós próprios.

Em todo o caso, há situações de tal modo absurdas ( ou que pareciam vinte e quatro horas antes), que não se pode censurar a ninguém um instante de desconforto total, um segundo em que tudo dentro de nós pede socorro, ainda que saibamos que logo a seguir a mola pisada, violentada, se vai distender vibrante e verticalmente afirmar. Nesse momento veloz tocara-se o fundo do poço.

Mas outros Josés andam pelo mundo, não o esqueçam nunca. A eles também sucedem casos, desencontros, acidentes, agressões, de que saem às vezes vencedores, às vezes vencidos. Alguns não têm nada e ninguém a seu favor, e esses são, afinal, os que tornam insignificantes e fúteis as nossas penas.

A esses, que chegaram ao limite das forças, acuados a um canto pela matilha, sem coragem para o último ainda que mortal arranco, é que a pergunta de Carlos Drummond de Andrade deve ser feita, como um derradeiro apelo ao orgulho de ser homem: “E agora, José? .
Precisamente um desses casos me mostra que já falei demasiado de mim.

Um outro José está diante da mesa onde escrevo. Não tem rosto, é um vulto apenas, uma superfície que treme com uma dor contínua. Sei que se chama José Júnior, sem mais riqueza de apelidos e genealogias, e vive em São Jorge da Beira. É novo, embriaga-se, e tratam-no como se fosse uma espécie de bobo.

Divertem-se à custa alguns adultos, e as crianças fazem-lhe assuadas, talvez o apedrejem de longe. E se isto não fizeram, empurram-no com aquela súbita crueldade de crianças, ao mesmo tempo feroz e cobarde, e José Júnior, perdido de bêbedo, caiu e partiu uma perna, ou talvez não, e foi para o hospital. Mísero corpo, alma pobre, orgulho ausente – “E agora, José?.

Afasto para o lado os meus próprios pesares e raivas diante deste quadro desolado de uma degradação, do gozo infinito que é para os homens esmagarem outros homens, afogá-los deliberadamente, alvitá-los, fazer deles objeto de troça, de irrisão, de chacota – matando sem matar, sob a asa da lei ou perante sua indiferença. Tudo isto porque o pobre José Júnior é um José Júnior pobre.

Tivesse ele bens avultados na terra, conta forte no banco, automóvel à porta – e todos os vícios lhe seriam perdoados. Mas assim, pobre, fraco e bêbedo, que grande fortuna para São José de Beira. Nem todas as terras de Portugal podem se gabar de dispor de uma alvo humano para darem livre expansão a ferocidades ocultas.

Escrevo estas palavras a muitos quilômetros de distância, não sei quem é José Júnior, e teria dificuldade em encontrar no mapa São Jorge da Beira. Mas estes nomes apenas designam casos particulares de um fenômeno geral: o desprezo pelo próximo, quando não o ódio, tão constantes ali como aqui mesmo, em toda parte, uma espécie de loucura epidêmica que prefere as vítimas fáceis.

Escrevo estas palavras num fim de tarde cor de madrugada com espumas no céu, tendo diante dos olhos uma nesga do Tejo, onde há barcos vagarosos que vão de margem a margem levando pessoas e recados. E tudo isto parece pacífico e harmonioso como dois pombos que pousam na varanda e sussuram confidencialmente. Ah, esta vida preciosa que vai fugindo, tarde, mansa que não será igual amanhã, que não serás, sobretudo, o que agora és.

Entretanto, José Júnior, está no hospital, ou saiu já e arrasta a perna coxa pelas ruas de São Jorge da Beira. Há uma taberna, o vinho ardente e exterminador, o esquecimento de tudo no fundo da garrafa, como um diamante, a embriaguez vitoriosa enquanto dura. A vida vai voltar ao princípio. Será possível que a vida volte ao princípio? Será possível que os homens matem José Júnior? Será possível?
Cheguei ao fim da crônica, fiz o meu dever.
“E agora, José?

SARAMAGO, José. A bagagem do viajante – crônicas. 3. Ed. Lisboa: Caminho, 1986. P. 35-7.


Este texto de José Saramago explicita claramente a importância do indagar do poeta e dos homens sobre o estar no mundo e percebê-lo em suas infinitas proporções de crueldade e bondade que possuem uma igual gênese: o próprio homem.

Como poeta humanista hábil no lidar das palavras Drummond destacou-se como um dos maiores poetas da língua portuguesa, comparável até mesmo a um Camões ou Pessoa.
Como um ativista dos direitos humanos Drummond muitas vezes nega a influência do mundo moderno em sua obra, é o fugir do individual e o olhar para o coletivo e a solidariedade:

"Não serei o poeta de um mundo caduco .
Também não cantarei o mundo futuro .
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente."
("Mãos dadas”)

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