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terça-feira, 30 de agosto de 2011

PARNASIANISMO NO BRASIL

Via Láctea

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto

A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas"

(Olavo Bilac)


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O Vaso

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,

Casualmente, uma vez, de um perfumado

Contador sobre o mármor luzidio,

Entre um leque e o começo de um bordado.


Fino artista chinês, enamorado,

Nele pusera o coração doentio

Em rubras flores de um sutil lavrado,

Na tinta ardente, de um calor sombrio.


Mas, talvez por contraste à desventura,

Quem o sabe?... de um velho mandarim

Também lá estava a singular figura.


Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,

Sentia um não sei quê com aquele chim

De olhos cortados à feição de amêndoa.


(Aberto de Oliveira)


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A Cavalgada

A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... mas além, confuso e brando,
O som longínquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando,
E as trompas a soar vão agitando
O remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce,
E límpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha...


(Raimundo Correia)


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Mal Secreto
por Raimundo Correia


Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!





sábado, 27 de agosto de 2011

FORÇA MATHEUS PORQUE DEUS É CONTIGO E NÓS TAMBÉM!!!


Força Maior


Existe Uma força
Que nos leva a viver, que nos faz recomeçar.
Que nos faz sorrir, que nos faz suportar as dores.
Que nos faz suportar a saudade.
Que nos faz buscar a felicidade.
Existe uma força muita além de nossos olhos.
Maior que imaginamos, que nem sempre procuramos.
Mas, ela sempre está a nossa espera.
Existe uma força que nos faz sonhar.
Uma força que nos faz acreditar.
É uma força chamado amor.
É uma força chamada persistência, coragem, fé!
Uma força que nos faz, desejar viver.
Olhe! Ela existe dentro de mim.
Ela existe dentro de você!
A minha força é Deus! Que essa força,
esteja com VOCÊ em todos os momentos,
lembre-se , que "o AMOR de DEUS é como o mar,
podemos ver seu início, mais não o seu fim"

HÁ MILHÕES DE ANOS


Descobri que a cada volta
que nos damos a essa chance
é porque nunca demos certos...
Mesmo sabendo que nunca se entregaste
totalmente a mim.
E que a cada afastamento nosso
a volta ainda foi ainda mais forte...
Que cada pensamento que tive
você esteve em um deles...
Cada vez que pedi a Deus pra te esquecer
e que você sumisse da minha vida,
mais eu lembrava de ti,
e mais ainda estavas cravado em mim...

Sempre soubemos que tinhamos uma ligação muito forte
de pensamentos...
De amizade,
De raiva,
rancor...

De amor.

É como se tivessemos uma dívida de outra(s) vida(s)...
É como se tivessemos algo pendente,
só não sabemos o quê.
É como se não conseguissemos esquecer um ao outro.

Eu sentia teu cheiro quando pensava em ti;
Eu sentia você
quando desejava você aqui;
Eu percebia em você o que eu tinha em mim;
Eu sempre quis você desde quando nasci;
E eu já nasci para ser,
novamente,
de ti,

asssim como eu sempre vim
para amar unicamente a ti!


(Gilvan Lourenço - 25/08/2011)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

" DEPENDE DE MIM"



Hoje levantei cedo pensando no que tenho a fazer antes que o relógio

marque meia-noite.

É minha função escolher que tipo de dia vou ter hoje.

Posso reclamar porque está chovendo... ou agradecer às águas por

lavarem a poluição.

Posso ficar triste por não ter dinheiro... ou me sentir encorajado para administrar minhas finanças, evitando o desperdício.

Posso reclamar sobre minha saúde... ou dar graças por estar vivo.

Posso me queixar dos meus pais por não terem me dado tudo o que eu queria.... ou posso ser grato por ter nascido.

Posso reclamar por ter que ir trabalhar.... ou agradecer por ter trabalho.

Posso sentir tédio com as tarefas da casa... ou agradecer a Deus por ter um teto para morar.

Posso lamentar decepções com amigos... ou me entusiasmar com a possibilidade de fazer novas amizades.

Se as coisas não saíram como planejei, posso ficar feliz por ter hoje
para recomeçar. O dia está na minha frente esperando para ser o que eu
quiser.

E aqui estou eu, o escultor que pode dar forma.

Tudo depende só de mim."


(Charles Chaplin)


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

POEMAS EROTICOS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.


PARA BAIXAR O LIVRO DE POEMAS ERÓTICOS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE COPIE O LINK ABAIXO E COLE:


http://www.4shared.com/document/AlTmaj5p/Carlos_Drummond_De_Andrade_-_P.htm

Vinicius de Moraes - (Livro de Sonetos)



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http://www.4shared.com/get/J2bLd1np/Livro_de_Sonetos____Moraes_Vin.html

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

1992, O AMOR NATURAL: POEMAS PORNOGRÁFICOS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.


Oh! Sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
Que o nosso avô português?

Das infinitas faces que um poeta pode ter, Carlos Drummond de Andrade, de muito bom grado, dispôs-se a mostrar-nos ao menos sete. Sacramentadas. Esses lados, essas faces, não são simples traços de estilo, certamente nem convicções quanto às formas, são algo além disso: o homem Drummond, o corpo além do poeta e, como todos os demais corpos, susceptível às passagens, mudanças e afetos do tempo. Sua passagem nos recoloca, nos re-escreve e, no poeta mineiro, haveria de fazê-lo admitir uma derrota diante de suas consumições eróticas. Nos conflitos entre as dores, a morte e a vida, o sexo aparece como peça atraente, extrapolação da vida em direção ao fim sem que necessite ser, de fato, o fim. É dessa forma que melhor se compreende a conversão do comedido mineiro em militante póstumo da sacanagem.

"O Amor Natural" não nasceu de um desvario momentâneo. O livro de poemas pornográficos, lançado em 1992, choque entre as mocinhas e senhores desavisado, expôs contornos radicais do poeta, mas o assunto já costumava aparecer em um ou outro poema, insinuadamente, fosse no embalo da união amorosa, fosse nos tons de poesia-piada, usuais no Modernismo (Era manhã de Setembro/ e/ ela me beijava o membro). Mas nesse há um desfile pelas páginas, uma galeria recheada de vulvas, línguas, falos, lambidas, pêlos.... O que mais houvesse para haver na cama entre homens e mulheres, está lá. Mas como? Aquele velhinho...?

Mario de Andrade costumava dizer que a culpa era toda da timidez. Faz todo sentido. Mas é igualmente coerente acreditar que as mudanças de comportamento que viu observar - naqueles anos de 1950, os comerciais já expunham muito mais pedaços de pele que na época dos bondes, nos anos 20, quando um tornozelo de fora era o auge do erotismo público - somadas ao avanço da idade, tenham feito nosso poeta alargar as brechas para o erotismo que já cultivava desde sempre. Mas, apesar disso, fato é que Drummond preferiu-se, num pedido compreendido e atendido, morto à época da publicação do livro. Morto quando admitisse que a pornografia venceu. Melhor assim que deixar-se entrever à frente de todos seus acessos delirantes por contornos passantes em bondes, camas ou moitas, de coxas, pernas e peitos femininos, sempre femininos. Sobre dores do ser, sobre a política e sobre as palavras, estaria a glória de um convulsivo orgasmo.

É assim que no livro, escrito em meado dos anos setenta, Drummond rende-se a produção de poemas que vão do erótico ao pornográfico, passando pelo completo despudor; versos milvalentes onde ato sexual não eleva nem rebaixa, mas sim, aceita exultante a condição simples, o exposto cru, bastante cru, de ser humano. Animal sem meias palavras: ato, suor, lugar, sémen, gemido, mamilos, modo. Uma pequena amostra dessas poéticas paixões carnais estão aqui nesta pequena seleção de cinco poemas de puro gozo retirados d´O Amor Natural.


Sugar e ser sugado pelo amor

Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
Que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar o ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.


A língua lambe

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.


A castidade com que abria as coxas

A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.

Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres

em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.

Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.


Mimosa boca errante

Mimosa boca errante
à superfície até achar o ponto
em que te apraz colher o fruto em fogo
que não será comido mas fruído
até se lhe esgotar o sumo cálido
e ele deixar-te, ou o deixares, flácido,
mas rorejando a baba de delícias
que fruto e boca se permitem, dádiva.

Boca mimosa e sábia,
impaciente de sugar e clausurar
inteiro, em ti, o talo rígido
mas varado de gozo ao confinar-se
no limitado espaço que ofereces
a seu volume e jato apaixonados
como podes tornar-te, assim aberta,
recurvo céu infindo e sepultura?

Mimosa boca e santa,
que devagar vais desfolhando a líquida
espuma do prazer em rito mudo,
lenta-lambente-lambilusamente
ligada à forma ereta qual se fossem
a boca o próprio fruto, e o fruto a boca,
oh chega, chega, chega de beber-me,
de matar-me, e, na morte, de viver-me.

Já sei a eternidade: é puro orgasmo.


Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça

Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
de magnificar meu membro.
Sem que eu esperasse, ficaste de joelhos
em posição devota.
O que passou não é passado morto.
Para sempre e um dia
o pênis recolhe a piedade osculante de tua boca.

Hoje não estás nem sei onde estarás,
na total impossibilidade de gesto ou comunicação.
Não te vejo não te escuto não te aperto
mas tua boca está presente, adorando.

Adorando.

Nunca pensei ter entre as coxas um deus.


A bunda, que engraçada

Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai

Pela frente do corpo. A bunda basta-se.

Existe algo mais? Talvez os seios.

Ora - murmura a bunda - esses garotos

Ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas

Em rotundo meneio. Anda por si

Na cadência mimosa, no milagre

De ser duas em uma, plenamente.

A bunda de diverte

Por conta própria. E ama.

Na cama agita-se. Montanhas

avolumam-se, descem. Ondas batendo

numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz

Na carícia de ser e balançar.

Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,

redunda.


(Carlos Drummond de andrade)

POEMAS ERÓTICOS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Bundamel Bundalis Bundacor Bundamor


Bundamel Bundalis Bundacor Bundamor

bundalei bundalor bundanil bundapão

bunda de mil versões, pluribunda unibunda

bunda em flor, bunda em al

bunda lunar e sol

bundarrabil

Bunda maga e plural, bunda além do irreal

arquibunda selada em pauta de hermetismo

opalescente bun

incandescente bun

meigo favo escondido em tufos tenebrosos

a que não chega o enxofre da lascívia

e onde

a global palidez de zonas hiperbóreas

concentra a música incessante

do girabundo cósmico.

Bundaril bundilim bunda mais do que bunda

bunda mutante/renovante

que ao número acrescenta uma nova harmonia.

Vai seguindo e cantando e envolvendo de espasmo

o arco de triunfo, a ponte de suspiros

a torre de suicídio, a morte do Arpoador

bunditálix, bundífoda

bundamor bundamor bundamor bundamor.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Biografia - Carlos Drummond de Andrade.

Nasceu em 31 de outubro de 1902, em Itabira, Minas Gerais, região rica em ferro, veja o que o poeta diz sobre a cidade que fez famosa mundialmente em seus versos:

"Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas. (...)"
("Confidência do itabirano")

Fez seus primeiros estudos em Minas Gerais. Em 1918, ingressou como interno no Colégio Anchieta, da Companhia de Jesus, em Friburgo, sendo expulso no ano seguinte, após um incidente com seu professor de Português.
Formou-se em Farmácia, mas em Itabira vivia das aulas de Português e Geografia. Em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro, assumindo um cargo público no Ministério da Educação.

A partir da década de 1950, Drummond passou a dedicar-se integralmente à produção literária; além de novos livros de poesias, contos e algumas traduções, intensificou seu trabalho de cronista. Drummond morreu no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1987.

É o poeta da dura realidade das coisas e dos homens. Chamamos de não-porosa esta característica de retratar a realidade.

Leia o poema e o texto abaixo para compreender melhor por que Drummond é um poeta importante:

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
E agora ,José?

José Saramago

Há versos que se transmitem através das idades do homem, como roteiros, bandeiras, cartas de marear, sinais de trânsito, bússolas- ou segredos. Este, que veio ao mundo muito depois de mim, pelas mãos de Carlos Drummond de Andrade, acompanha-me desde que nasci, por um desses misteriosos acasos que fazem do que viveu já, do que vive e do que ainda não vive, um mesmo nó apertado e vertiginoso de tempo sem medida.

Considero privilégio meu dispor deste verso, porque me chamo José e muitas vezes na vida me tenho interrogado: “E agora?” Foram aquelas horas em que o mundo escureceu, em que o desânimo se fez muralha, fosso de víboras, em que as mãos ficaram vazias e atônitas. “E agora, José?” Grande, porém, é o poder da poesia para que aconteça, como juro que acontece, que esta pergunta simples aja como um tônico, um golpe de espora, e não seja, como poderia ser, tentação, o começo da interminável ladainha que é a piedade por nós próprios.

Em todo o caso, há situações de tal modo absurdas ( ou que pareciam vinte e quatro horas antes), que não se pode censurar a ninguém um instante de desconforto total, um segundo em que tudo dentro de nós pede socorro, ainda que saibamos que logo a seguir a mola pisada, violentada, se vai distender vibrante e verticalmente afirmar. Nesse momento veloz tocara-se o fundo do poço.

Mas outros Josés andam pelo mundo, não o esqueçam nunca. A eles também sucedem casos, desencontros, acidentes, agressões, de que saem às vezes vencedores, às vezes vencidos. Alguns não têm nada e ninguém a seu favor, e esses são, afinal, os que tornam insignificantes e fúteis as nossas penas.

A esses, que chegaram ao limite das forças, acuados a um canto pela matilha, sem coragem para o último ainda que mortal arranco, é que a pergunta de Carlos Drummond de Andrade deve ser feita, como um derradeiro apelo ao orgulho de ser homem: “E agora, José? .
Precisamente um desses casos me mostra que já falei demasiado de mim.

Um outro José está diante da mesa onde escrevo. Não tem rosto, é um vulto apenas, uma superfície que treme com uma dor contínua. Sei que se chama José Júnior, sem mais riqueza de apelidos e genealogias, e vive em São Jorge da Beira. É novo, embriaga-se, e tratam-no como se fosse uma espécie de bobo.

Divertem-se à custa alguns adultos, e as crianças fazem-lhe assuadas, talvez o apedrejem de longe. E se isto não fizeram, empurram-no com aquela súbita crueldade de crianças, ao mesmo tempo feroz e cobarde, e José Júnior, perdido de bêbedo, caiu e partiu uma perna, ou talvez não, e foi para o hospital. Mísero corpo, alma pobre, orgulho ausente – “E agora, José?.

Afasto para o lado os meus próprios pesares e raivas diante deste quadro desolado de uma degradação, do gozo infinito que é para os homens esmagarem outros homens, afogá-los deliberadamente, alvitá-los, fazer deles objeto de troça, de irrisão, de chacota – matando sem matar, sob a asa da lei ou perante sua indiferença. Tudo isto porque o pobre José Júnior é um José Júnior pobre.

Tivesse ele bens avultados na terra, conta forte no banco, automóvel à porta – e todos os vícios lhe seriam perdoados. Mas assim, pobre, fraco e bêbedo, que grande fortuna para São José de Beira. Nem todas as terras de Portugal podem se gabar de dispor de uma alvo humano para darem livre expansão a ferocidades ocultas.

Escrevo estas palavras a muitos quilômetros de distância, não sei quem é José Júnior, e teria dificuldade em encontrar no mapa São Jorge da Beira. Mas estes nomes apenas designam casos particulares de um fenômeno geral: o desprezo pelo próximo, quando não o ódio, tão constantes ali como aqui mesmo, em toda parte, uma espécie de loucura epidêmica que prefere as vítimas fáceis.

Escrevo estas palavras num fim de tarde cor de madrugada com espumas no céu, tendo diante dos olhos uma nesga do Tejo, onde há barcos vagarosos que vão de margem a margem levando pessoas e recados. E tudo isto parece pacífico e harmonioso como dois pombos que pousam na varanda e sussuram confidencialmente. Ah, esta vida preciosa que vai fugindo, tarde, mansa que não será igual amanhã, que não serás, sobretudo, o que agora és.

Entretanto, José Júnior, está no hospital, ou saiu já e arrasta a perna coxa pelas ruas de São Jorge da Beira. Há uma taberna, o vinho ardente e exterminador, o esquecimento de tudo no fundo da garrafa, como um diamante, a embriaguez vitoriosa enquanto dura. A vida vai voltar ao princípio. Será possível que a vida volte ao princípio? Será possível que os homens matem José Júnior? Será possível?
Cheguei ao fim da crônica, fiz o meu dever.
“E agora, José?

SARAMAGO, José. A bagagem do viajante – crônicas. 3. Ed. Lisboa: Caminho, 1986. P. 35-7.


Este texto de José Saramago explicita claramente a importância do indagar do poeta e dos homens sobre o estar no mundo e percebê-lo em suas infinitas proporções de crueldade e bondade que possuem uma igual gênese: o próprio homem.

Como poeta humanista hábil no lidar das palavras Drummond destacou-se como um dos maiores poetas da língua portuguesa, comparável até mesmo a um Camões ou Pessoa.
Como um ativista dos direitos humanos Drummond muitas vezes nega a influência do mundo moderno em sua obra, é o fugir do individual e o olhar para o coletivo e a solidariedade:

"Não serei o poeta de um mundo caduco .
Também não cantarei o mundo futuro .
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente."
("Mãos dadas”)