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domingo, 29 de janeiro de 2012

por Vinicius Carlos Vieira em 19 de Junho de 2011.

Woody Allen é um cara apaixonado. Por seus filmes, por suas mulheres, pelas cidades em que passa e, mais que tudo, pelo cinema, só isso explica o quanto Meia Noite em Paris é deliciosamente apaixonante.E talvez seja essa mesma paixão que mova o cineasta novaiorquino a começar seu novo filme deslumbrado pelas belezas da capital francesa, trocando o fundo preto e os créditos iniciais por um verdadeiro tour pela Cidade Luz, como se tivesse a necessidade se redimir da injustiça de não conseguir mostrar tudo aquilo durante seu filme. Ou simplesmente para convidar seu espectador a se apaixonar por aquela cidade como ele parece ter se apaixonado e, consequentemente, seu protagonista.A bola da vez agora de interpretar a “persona” de Allen é responsabilidade de Owen Wilson, que vive Gil, um roteirista de Hollywood que vai à Paris com a noiva e os sogros e acaba descobrindo uma nova cidade depois das badaladas do início da madrugada. Na verdade, é esse casal que prefere apresentar durante os créditos inicial invés de seu jazz tradicional. Ele romântico, tentando escapar do marasmo artístico dos roteiros descartáveis e escrever seu primeiro romance, inspirado por tudo que Paris representa (e representou), enquanto ela, vivida por Rachel McAdams, prefere não enxergar nada disso, sem conseguir entender qual a obsessão do marido por aquelas cidade (e chuva).Meia Noite em Paris é então uma história de amor, entre Gil, Allen (e o espectador) e Paris, talvez no sentido figurado, o mais provavelmente não, já que o diretor não se esconde por trás de nenhum simbolismo ou metáfora para levar seu personagem em uma viagem no tempo de volta à Idade de Ouro dessa cidade, durante a década de 20, cheia de escritores, artistas e personalidade que, não sem exagero, deram o ponta-pé inicial para muito do que hoje existe em termos de arte.Allen então convida seu espectador a participar dessa deliciosa viagem pela boemia da Cidade Luz na companhia dessa grande salada de personagens mais famosos e verdadeiras homenagens que dão uma vida enorme a seu filme e parecem dar as caras como um enorme playground de referências. É impossível não saborear cada linha de diálogo entre Gil e um Ernest Hemingway (Carey Stoll, que na TV é um dos protagonistas da série Lei e Ordem LA) com cara de bêbado suicida, pessimista, galanteador, tétrico e obcecado por sua espingarda de caça.E Meia Noite em Paris não se esconde porá trás de um lado “pseudo-intelectual”, que nesse caso é irritantemente representado pelo personagem de Michael Sheen (sempre ótimo), amigo de faculdade da noiva de Gil e aparentemente capaz de ser expert em todo e qualquer assunto que exista no mundo. Na realidade Sheen é talvez a mola central dessa artimanha de Allen para criar mais ainda esse protagonista simpático, já que todos a sua volta, aos poucos, se tornam insuportáveis, vazios e céticos, incapazes de viver essas experiências (e se deixarem vivê-las).É lógico que Allen faz disso um instrumento, uma arma até, contra todos que ainda dão mais valor a uma enciclopédia do que a vontade de viver essas novas experiências. Mais ainda, reafirmando esse “tour mundial” que vem fazendo, saindo de seu habitat em Manhattan, para que seu cinema experimente novos ares, da misteriosa Londres em “Match-Point”, da “caliente” Espanha em “Vicky Christina Barcelona” e agora de toda poesia de Paris.Assim como seu protagonista (ou o contrário) Allen parece à procura de viver essas experiências e não falar sobre elas como se tivesse lido em um livro, e isso é imprescindível para que “Meia Noite em Paris” seja essa experiência tão apaixonante, já que é fácil se sentir como um companheiro de viagem do diretor nessa viagem.Mas Allen não se perde nessa paixão, Meia Noite em Paris ainda é, sobretudo, um “filme de Woody Allen”, com um protagonista frágil, pragmáticos, preso em um mundo que parece não aceitá-lo, mas sem medo de deixar suas opiniões ácidas vazarem por esses grandes planos de diálogos. Assim como permite que ele viva essa história de amor fora de época com uma espécie de “musa inspiradora” (a linda Marion Cotillard) de um trio de pintores (Modigliani, Braque e Picasso) com os quais foi amante.Por outro lado, essa “viagem no tempo” dá ainda a chance de Allen zombar da cadeira de vinte mil dólares no presente, ao mesmo tempo em que se permite ver um quadro de Matisse sendo vendido por quinhentos francos, esse tipo único de ironia que sempre se perpetua pela filmografia do diretor e acaba sendo uma verdadeira válvula de escape para que ele possa remexer em mais um monte de assuntos pertinentes. Ou você não percebeu que a família da noiva vai, em plena Paris, ver uma comédia descartável de Hollywood, cujos nomes dos atores nem ao menos são lembrados. E talvez seja isso que Allen mais tenta em sua carreira: mostrar que nem tudo precisa ser descartável para fazer sucesso e ser popular.Infelizmente, uma discussão que Allen talvez perda, já que na maioria das vezes seus filmes ainda acabem caminhando apenas na borda desse sucesso, o que talvez o faça se sentir como seu personagem na divertida conversa com o trio formado por Man Ray, Salvador Dali (um Adrian Brody incrivelmente interessante, como todo resto do elenco) e Luis Buñuel (que depois, em outro momento, ainda ganha “de brinde” o ponto de partida para seu Anjo Exterminador, mesmo sem entender “por que eles não conseguem sair daquele lugar!”), onde a verdade acaba se perdendo de modo surrealista entre significados existências e rinocerontes. Como se mesmo tentando mostrar o que fazer, sempre alguém acabe “lendo demais” algo que é só feito para ser sentido.É então que se percebe que Meia Noite em Paris não quer ser simbólico, metafórico, surrealista ou cheio de leituras (como eu já citei), mas sim só contar essa história, juntar esses personagens nessa história de amor e, no final das contas, ter a certeza de que o presente sempre parece insuficiente para quem não tem limites para sonhar e às vezes perceber que a única coisa necessária é esse momento de chuva sobre Paris que (realmente) acaba deixando-a muito mais bonita. E essa impressão, só consegue ser passada realmente por um gênio como Woody Allen que, decididamente, é um cara apaixonado, mais que qualquer coisa, pelo cinema.

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