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quarta-feira, 20 de junho de 2012
Os poemas-bandido Publicado em 23/02/2006, às 14h38
Desde criança, principalmente no início da década de 1980, ouvia as histórias de crimes de Ataliba Arruda, considerado o “terror” da Paraíba. Algumas destas histórias beiravam o imaginário popular, alimentavam o medo que se sentia deste homem, considerado frio e calculista, que matava sorrindo e que causava pânico nas noites de Campina, armado até os dentes e montado em seu cavalo branco.
Dizem até que ele invadiu o altar de uma igreja montado no quadrúpede. Mas, a maioria dos relatos era real (como o assassinato de Sabará, na rua Semeão Leal) e causou sua condenação a centenas de anos de prisão.
No início da década de 1990, como repórter policial do Diário da Borborema, fui à Penitenciária do Serrotão, considerada de segurança máxima (na época, o presídio não parecia um queijo suíço, como hoje se parece) para a inauguração, se não me falha a memória, de um pavilhão. Sabia que, naquela época, Ataliba Arruda estava cumprindo parte de sua pena na penitenciária campinense. Após me afastar da solenidade, dos policiais militares e dos agentes penitenciários, pedi ajuda a alguns presos para encontrar Ataliba Arruda.
Um deles me levou a uma cela individual, no último pavilhão. Lá, encontrei pela primeira vez o mito da criminologia paraibana, sentando, lendo um livro, que tive em minhas mãos, mas, que, infelizmente, não lembro o nome (talvez por conta dos meus 35 anos). Me apresentei. Ele, desconfiado. Mesmo assim, conversamos bastante, o suficiente para o fotógrafo do DB, Carlos Alberto, ter sentido minha falta e alarmado os agentes. Bem, enquanto isso não aconteceu, Ataliba me revelou que era poeta. Brincando, duvidei. Ele, de imediato, me mostrou alguns poemas, escritos na cadeia.
Eram poemas profundos, que lembravam muito o estilo Augusto dos Anjos. Ataliba me pediu para publicá-los. Fiquei fascinado com os escritos e, sem consultar a editoria do jornal, prometi a publicação no suplemento dominical Tudo, antes de ser achado e retirado da cela pelos agentes penitenciários. Na redação, convenci o editor Cícero Dias a publicá-los. Ele me deu carta branca. Voltei ao “Serrotão”, à cela, e Ataliba me entregou cópias de oito poemas datilografados, escritos de 29 de janeiro a 09 de junho de 1987, quando estava preso em João Pessoa.
O DB publicou um ou dois poemas, mas por ordem superior, vinda dos Diários Associados de João Pessoa, os poemas de Ataliba Arruda, aos domingos, foram proibidos. Perdemos o contato, até porque ele retornou para presídios da Capital, meses depois.
Esta semana, tentando reorganizar minha bagunça de papéis, entre antigos e novos, reencontrei os poemas do bandido Ataliba Arruda, do jeito que ele me entregou. Me senti em dívida com ele, não por minha culpa, mas por conta de uma imprensa preconceituosa.
Considero os poemas até históricos, por conta da história, da (má) fama de quem os escreveu. Portanto, a partir deste artigo, até os próximos sete, irei publicar os poemas-bandido, que tenho em mãos. Irei reescrevê-los com a mesma estética dos originais. O primeiro deles é uma homenagem a AIDS, naquela época, o “terror”, como era o “terror” seu autor.
"AIDS"
( Autor: Ataliba Arruda)
NOS DISSABORES DA IGNÓBIL TRAGÉDIA HUMANA
SOMENTE AO SEPULCRO O PONTO DE REFERÊNCIA...
NA VIDA, DA VIDA, O VÍRUS DA DEGENERESCÊNCIA
MONSTRUOSA E PATOGÊNICA, MISÉRIA SOBERANA!
DENTRE TODAS AS FERAS SINTO ÉS A GANA
QUE RUGE, QUE FERRA SEM CONDOLÊNCIA
NA FALSEIS DOS AMORES E SEM DORMÊNCIA
DIZIMA ESTRANGULANDO TODA ALMA CIGANA!
VAGANDO NO VALE COMO A LAMA PERDIDA
CANCRO DO CORAÇÃO NA ALMA SEM GUARIDA
- AS CHAGAS QUE DEIXAS-TE DEVERAS MACULADA!
E NESTA SANGRIA NEFASTA E VAGABUNDA
LEVA-SE OS HORRORES NA LÁGRIMA MORIBUNDA
PARA NO ALÉM-TÚMULO SER DEVORADA!
João Pessoa, Pb, em 29/01/1987.
ATALIBA ARRUDA
* Síndrome de Imunodeficiência Adquirida.
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